São José do Rio Preto

EXCLUSIVO! Imagens mostram execução de dois jovens por PMs do Baep

autor: Joseane Teixeira

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Em primeira mão, a reportagem da Gazeta do Interior divulga fotos do laudo pericial, produzido pelo Instituto de Criminalística de São José do Rio Preto (SP), a partir de arquivos de câmeras de monitoramento que filmaram a execução de duas pessoas em outubro de 2019 no bairro Jockey Clube, em Rio Preto.

As imagens foram determinantes para o indiciamento de quatro policiais militares, à época pertencentes ao 9º Baep, pelo crime de homicídio qualificado. No início deste mês, o Ministério Público denunciou os agentes por homicídio, porte ilegal de arma e fraude processual.

Além do laudo técnico, a Gazeta também teve acesso ao relatório final da Polícia Civil que traz detalhes inéditos da investigação, mantida até então sob segredo de Justiça.

Um deles é que o exame residuográfico realizado nos quatro homens mortos - após um suposto assalto seguido de confronto com policiais militares - não constatou vestígio de pólvora nas mãos dos baleados. Segundo os PMs envolvidos na ocorrência, todos os suspeitos (Richard Miranda, Adeílton Silva, Lindomar Viana e Ulisses dos Anjos) estavam armados e atiraram contra os agentes.

Outra informação relevante é que os PMs investigados - Thiago Trídico, Giovani Padovan, Célio Cordeiro e Daril Afonso -  só compareceram à sede da Deic para prestarem declarações em 31 de Julho de 2020, nove meses após os fatos, depois de terem acesso às imagens das câmeras por meio da Corregedoria da Polícia Militar.

Especialistas em Direito Penal disseram que é praxe que os investigados sejam ouvidos por último, após tomarem ciência de todas as provas.

Ainda assim, o delegado Paulo Buchala Júnior, responsável pelas investigações, apontou divergências entre a versão dos policiais e o demonstrado pelas imagens obtidas.

Entre elas, a de que Richard e Adeílton teriam sido retirados da viatura antes de serem mortos. Informação que foi negada pelos quatro policiais.
Imagem congelada aponta que Adeílton parece estar algemado quando é conduzido por um dos agentes até o ponto dos disparos.


O sargento Trídico e o soldado Giovani argumentam que o rapaz foi abordado em atitude suspeita no bairro Jockey Clube. A equipe tinha sido acionada para dar apoio a uma ocorrência de roubo em que quatro homens estariam fugindo em um Corsa Sedan branco. O carro foi interceptado por uma primeira viatura ainda nas proximidades da Estância Veneza, bairro onde teria acontecido o assalto a uma família. Ao avistarem a viatura do 9º Baep, o motorista e o passageiro da frente, Lindomar e Ulisses, teriam atirado (cada qual com um revólver calibre 38) contra os policiais e foram mortos no revide.

​Adeílton e Richard conseguiram fugir a pé até o bairro Jockey Clube, onde foram interceptados por outra viatura, cuja equipe era comandada pelo sargento Trídico.

Ele e o soldado Giovani afirmam terem rendido Adeílton, que negou ter participado do assalto. Antes de ser baleado, o rapaz foi entrevistado e colocado em frente a uma parede, em posição de revista.

No entanto, na versão dos dois agentes, eles não teriam percebido que Adeílton estava armado, tendo o rapaz sacado um revólver no momento em que o sargento foi até a viatura pesquisar pelo rádio os dados criminais do então suspeito.

Segundo os policiais, Adeílton apontou a arma para o soldado Giovani e o sargento atirou em defesa do colega de farda.
Porém, o rapaz só morreu após três sequências de tiros, que duraram 10 minutos.

Os PMs alegam que, alvejado, ele não soltava a arma e continuava colocando os agentes em perigo.

A poucos metros dali, os cabos Célio Cordeiro e Daril Afonso, que tinham desembarcado da mesma viatura, abordaram Richard Miranda, colega de Adeílton, que estaria armado com uma pistola “ponto 40”, furtada da Polícia Civil.

Ele recebeu ordem para se render, mas teria desobedecido e atirado contra os cabos, que revidaram.





Novamente, outra câmera denota que houve disparos em intervalos espaçados.

“Confrontos –trocas de tiro, são em frações de segundo ou minuto, e não como foi demonstrado pelas imagens”, aponta o delegado Buchala no inquérito.





A dinâmica do que aconteceu naquela madrugada foi registrada por duas câmeras que pertencem a um conjunto de monitoramento de uma empresa de pneus.

Embora os equipamentos estejam apontados para os locais dos disparos, eles estão instalados em paredes afastadas da rua, onde aconteceram os dois supostos confrontos.

As mortes são filmadas por entre muros e árvores. E as imagens são em preto e branco.

Entretanto, Buchala está convencido de que Richard e Adeílton foram retirados da viatura, e não encontrados correndo pelo bairro.  Os jovens estavam algemados e, consequentemente, desarmados.

“Ao examinar a câmera 15, há indicativos que indivíduos estão sendo retirados da viatura policial, e que um desses indivíduos está sendo puxado, inclusive que essa pessoa chega a cair no chão. Também foi captado pelas imagens, que esse indivíduo aparenta estar algemado, pois o mesmo está sendo puxado pelos braços. Analisando a câmera 15, ainda demonstra que duas pessoas estão levando esse indivíduo para a esquerda da imagem, na rua Vilibaldo Urias Gomes. Que para o local onde esse indivíduo é levado, aparece clarões condizentes com disparos de arma. Que analisando a câmera 15, verifica-se que toda essa ação durou aproximadamente 10 minutos, inicia-se às 02h56m51, com o primeiro “clarão” e encerrando os clarões às 03h06mim44.”

E continua:

“Chama a atenção no exame da câmera 15, que durante o suposto confronto, outras viaturas da Polícia Militar aparecem no local, inclusive ocorrendo o desembarque de policiais e passagem de outras viaturas onde o indivíduo veio a óbito, e que os clarões/disparos ocorrem com esse grande vulto de pessoas e viaturas”.

Sobre a morte de Richard, o delegado aponta:

“Analisando a câmera 16, uma viatura se aproxima pelo local, os ocupantes descem, e logo em seguida, três pessoas aparecem caminhando para a direita do vídeo (sentido à rua Felipe Assad Karan), a primeira (pessoa) parecendo que está sendo segura. Ato seguinte, aparece um flash condizente com disparo de arma”.

Os cabos Célio Cordeiro e Daril Afonso admitem terem abordado Richard no local.

Os quatro policiais dão versões semelhantes para os fatos e afirmam que Richard foi baleado antes de Adeílton, que só teria sacado a arma após sofrer a abordagem.

Para a Polícia Civil, a execução dos dois amigos aconteceu simultaneamente, em dois pontos diferentes do quarteirão, ou seja, eles foram retirados da viatura e separados.

​Richard, alvejado com 7 tiros, e Adeílton, com 5, não foram reconhecidos pela mulher assaltada por bandidos ao chegar em casa com a família. Ela afirmou em depoimento que os criminosos cobravam uma dívida de droga do marido e fugiram levando um botijão de gás.

Com relação às mortes de Ulisses e Lindomar, ocorridas em estrada de terra, a Polícia Civil não identificou ilegalidades e o caso foi arquivado.
Já sobre Richard e Adeílton, o delegado da Deic entendeu e o Ministério Público concordou que as armas foram “plantadas” para justificar o confronto. Por isso, além de homicídio, a equipe do sargento Trídico responde também por fraude processual e porte ilegal de arma de fogo.

A denúncia foi aceita pelo juiz da 2ª Vara Criminal de Rio Preto, Luis Guilherme Pião, no dia 2 de julho.

Mara Silva, mãe de Richard e Elenice Souza, mãe de Adeílton, sempre defenderam a inocência dos filhos e constituíram advogados para acompanharem o processo.

“Minha vida se transformou desde o assassinato do meu filho. Já não tenho forças para trabalhar, convivo diariamente com a cena do meu filho em uma mesa gelada. Só o que mantém em pé hoje é a esperança na Justiça”, desabafou Elenice.

Em nota, a Polícia Militar informou que o Inquérito Policial Militar foi remetido à Justiça Militar Estadual e que os agentes estão afastados da atividade operacional.

O delegado Paulo Buchala Júnior e o promotor José Márcio Rossetto Leite disseram que não vão comentar o assunto.

A Gazeta tentou contato com o advogado dos quatro PMs, Abelardo Rocha, por meio de dois telefones – um fixo e um celular- além de mensagem por e-mail, mas até o fechamento desta reportagem, não obteve retorno.

* O
laudo aponta que, por um erro de configuração no aparelho DVR, a data e horário registrados nas imagens estão incorretos, porém, ficou comprovado que trata-se de cenas captadas no dia do crime.

NOTA DA DEFESA - 

"Inicialmente, gostaria de esclarecer que os fatos não ocorreram conforme está descrito na denúncia. Os policiais militares comandados pelo Sargento PM Trídico foram surpreendidos no local pela tentativa desesperada de um dos agressores da sociedade (a vítima fatal) no sentido de se apoderar de uma arma de fogo que havia anteriormente lançado num matagal alí existente para tentar reagir à prisão e, assim, esquivar -se da prisão que já havia sido efetuada. Os PMs agiram firmemente com o recurso mais adequado, que era o emprego de arma de fogo, havendo, infelizmente, a morte do infrator.
Estes fatos serão demonstrado em juízes com eloquentes provas que serão mostradas pela defesa.
A vítima do roubo, por seu depoimento, comprovará a periculosidade do indivíduo que faleceu no confronto", diz o advogado, Dr Abelardo Julio da Rocha.